O beijo Era realmente flerte, apenas flerte, na sua forma mais inócua e clássica, ou seja, a distância. Limitavem-se a olhares que, entretanto, eram de uma delícia mortal. Mas jamais haviam trocado uma palavra, um aperto de mão, uma carícia. A desquitada que estava no caso esportivamente, sem nenhum interesse, já resmungava: "Vocês estão bobeando! Ah, se fosse comigo!" Marina sofria, a verdade é que sofria. Até então julgara-se feliz e, de repente, descobre que sua felicidade não existe, nunca existira. Tinha agora abstrações, melancolias; um perfume a fazia chorar ou desfalecer. Acabou admitindo para a desquitada:
- Amo este homem - e repetiu, numa espécie de angústia: - Amo.
A desquitada a instigou:
- Mergulha de cara! Mergulha de cara!
E, uma noite, pouco antes do jantar, aconteceu uma fatalidade deliciosa e terrível. Cruzou no corredor com o bem-amado. Tudo aconteceu de uma maneira irresistível. Sem uma palavra. Gustavo se apoderou de sua mão e a beijou, longamente. Foi um minuto ou muito menos. Mas ela saiu dali numa embriaguez completa. E o que tornava sua delícia mais aguda era o sentimento do pecado. Correu à amiga, pois sentia a necessidade imediata de uma confidência. Contou que Gustavo a beijara na mão... A fulana exclamou, abismada:
- Na mão?
Confirmou, convulsa: "Pois é." Fez a outra pôr a mão no seu peito, para sentir as palpitações furiosas. Mas a desquitada parecia insatisfeita: "Vocês são dois moscas-mortas. Ora veja!" Para Marina, porém o episódio se revestia de um significado terrível. Pela primeira vez o caso saía da espiritualidade pura e se materializava. Foi nessa noite que o marido recebeu um chamado. A desquitada esfregou as mão:
- Está para ti. É agora ou nunca!
O fato
O marido partiu. E à noite, no corredor do hotel, Gustavo pedira um "papinho", no jardim. Marina teve de esperar que a filha, que dormia com uma coleguinha, se recolhesse. Até o último momento, teve um pavor: "Será que ela vai cismar de dormir comigo?" Felizmente a menina, foi, com a colega, para o quarto. Então, deslizou, como uma criminosa, com o coração aos pinotes e uma sensação de crime. Parecia-lhe, então, que jamais tivera qualquer amor, qualquer carinho, qualquer afinidade com o marido. Pensava nele como o último dos estranhos. Ficou no jardim com o Gustavo uma meia hora. Desde o primeiro instante, sentiu-se frágil, indefesa, derrotada. Lembrava-se de que o marido voltaria no dia seguinte e que só lhe restava uma noite livre. Esta urgência do pecado era fascinadora. Por outro lado, Gustavo foi ativo, ousado, quase brutal. E a deslumbrou com um argumento de cinismo absoluto: "Uma vez só. Uma vez, não são todas." Ela hesitava, embora sabendo que se abandonaria. Na verdade, resistia a ideia de captular sem luta, sem conquista, sem namoro. Imóvel, ia escutando:
- Deixa a porta encostada, apenas encostada. À meia noite, eu vou lá e... sim?
Respondeu num sopro:
- Sim.
Voltou, correndo. Mas o deslumbramente inicial se extinguira. O que havia, no mais íntimo de sí mesma, era uma angústia intolerável, a vontade de fugir e, ao mesmo tempo, um ressentimento contra o marido que não se fizera amar. Pensava também na filha. "Imagina se ela sabe, imagina!" De repente, aparece a desquitada e, ao saber que está tudo combinado, pisca o olho: "Felicidades!" E sai. À meia noite, em ponto, Gustavo empurra a porta encostada.
Abandonou-se. Primeiro, ele a beijou na boca; depois no pescoço e desceu para o seio. Fez-lhe carícias que ela não conhecia.
O remédio
Marina acordou tarde. Toda a sua angústia desaparecera; estava, de novo, feliz e com a sensação de que só agora começava a viver. Levantou-se, pôs as chinelinhas róseas e na camisola muito leve, que era quase uma nudez, correu ao espelho, como se quisesse ver a própria imagem depois do pecado. E, pelo espelho, viu quando Teresinha entrou. Trazia um copo, com um líquido qualquer. Marina virou-se, mas a simples presença da filha feriu de morte todo o seu encanto de viver. Estavam as duas, no meio do quarto, face a face. Até aquele momento, havia entre mãe e filha uma polidez que era o disfarce de um sentimento mais turvo, mais profundo e mais envenenado. E, pela primeira vez, ambas viam o rosto verdadeiro da outra. Naquele instante, ocorreu novamente a Marina a explicação espírita de que em outras encarnações... Então, com o rosto erguido, quase sem mover os lábios, Teresinha foi dizendo:
- Eu me escondi detrás do guarda-vestidos... Fiquei lá a noite toda... - E repetiu trincando nos dentes as palavras: - Detrás do guarda-vestidos...
O dilema
Marina sentiu que a mentira seria inútil. Teve um brusco pavor daquela filha. Foi fraca, pusilânime, indefesa. Perguntou:
- Que queres que eu faça?
A resposta veio, sumária, quase doce: "Bebe isto." Não compreendeu, imediatamente. Apanhou o copo; ergueu-o contra a luz. Tornou a perguntar: "Mas isso é o quê?" E a outra, com os lábios meigos:
- Veneno.
Recuou, aterrada, sem coragem de atirar longe aquele copo, de parti-lo em mil estilhaços. Sentiu-se agarrada. Teresinha dizia-lhe: "Então, bebo eu. Ou tu, ou eu. Uma de nós tem de beber." Marina olhou, com assombro, o líquido, claro, enquanto a filha repetia:
- Ou tu, ou eu.
Marina fechou os olhos, foi bebendo, até o fim. Largou, então, o copo que se estilhaçou no chão.